Público, 12.11.2009
A taxa de inflação oficial calculada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) está a cair em Portugal, algo a que já não se assistia há quase meio século, mas são ainda muitas as pessoas para as quais não há dúvidas, como comprovou o PÚBLICO nas ruas e confirmam os inquéritos de opinião feitos à população, de que os preços continuam a subir. Os receios provocados pela crise e pelo desemprego, os métodos estatísticos utilizados pelo cálculo da inflação e os padrões de consumo específico de cada cidadão são algumas das causas para que se mantenha uma persistente divergência entre a inflação calculada oficialmente e a percepção de evolução dos preços por parte da população. Os dados oficiais da inflação deixam pouca margem para dúvidas. Em Outubro, anunciou ontem o INE, a taxa de inflação homóloga cifrou-se em -1,5 por cento (ver caixa). A variação anual negativa que se tem vindo a registar nos últimos tempos é um fenómeno único em mais de 40 anos. É necessário recuar até 1962 para encontrar outro período em que as taxas de inflação homóloga entrassem em terreno negativo em Portugal. Ainda assim, tal não impede que, quando questionados sobre qual acham ter sido a evolução dos preços durante os últimos meses, os portugueses dêem nota de estar bastante divididos, com poucos a acreditar em efectivas descidas de preços. De acordo com o inquérito realizado aos consumidores pelo INE (também publicado pela Comissão Europeia para todos os países da UE), a maior parte dos inquiridos (37,5 por cento) diz que os preços no último ano “se mantiveram mais ou menos iguais”. Depois, 26,7 por cento acham que subiram ligeiramente, 13,4 que subiram moderadamente e 9,4 que subiram muito. Apenas 12,7 por cento parece acreditar naquilo que diz o INE, ou seja, que, nos últimos meses, os preços caíram em Portugal. É certo que os dados da percepção de inflação em Portugal acompanharam a tendência de queda de preços e também caíram para o valor mais baixo desde pelo menos 1986, o primeiro ano em que foi realizado este inquérito. Em comparação com o que se passava no Verão de 2008 (quando a inflação estava próxima de três por cento por causa do petróleo e alimentação), as respostas são mesmo completamente diferentes. Na altura, 63 por cento dos inquiridos dizia que os preços estavam a “subir muito”, ao passo que quem dizia que os preços estavam iguais ou a descer não ia além de 1,2 por cento. Estes números são mesmo mais radicais do que os registados no mesmo inquérito em 1991, quando a taxa de inflação superava os 10 por cento, mas a população era bastante mais tolerante em relação a variações de preços muito rápidas.
Explicações para a situação
De qualquer forma, apesar da recente diminuição da percepção de inflação, há um fenómeno – que se acentuou no momento em que o escudo foi substituído pelo euro na carteira dos portugueses – que não desapareceu: as pessoas consideram sempre que os preços estão a subir mais do que aquilo que o INE diz que sobem. Há várias explicações possíveis para que este fenómeno se mantenha na actualidade. Uma das principais está no clima de pessimismo trazido pela crise, que pode influenciar decisivamente a percepção dos portugueses sobre os preços. “Do ponto de vista psicológico, existe uma presença muito forte da ideia de crise e, sobretudo, o medo do que ainda há mais por vir”, diz o sociólogo Sérgio Aires. Para o director do Observatório da Luta contra a Pobreza, este receio é suficiente para “refrear o ânimo” e “esconder” uma efectiva redução de preços. “Estamos a atravessar uma crise enorme e não há uma família que não tenha, pelo menos, um membro desempregado ou tema vir a ter”, considera Domingos Ferreira, professor da Universidade Nova de Lisboa. O docente doutorado na área de marketing e comportamentos do consumidor defende que Portugal vive um “clima depressivo face às expectativas futuras” e que isso tem influência sobre a percepção dos preços. Os resultados do inquérito do INE parecem confirmar esta ideia, já que são as pessoas situadas nos escalões de rendimento mais baixos que se mostram muito mais cépticos em relação à possibilidade de os preços terem estado a cair durante o último ano, o mesmo acontecendo com os desempregados quando comparados com o resto da população com emprego. Outra explicação pode estar no facto de os aumentos de preços registados em 2008 não terem ainda sido compensados. “Antes da crise actual, tivemos um aumento exponencial dos preços dos combustíveis e dos bens de primeira necessidade”, relembra Domingos Ferreira. Contudo, segundo o professor universitário, a descida que se verifica actualmente não é na mesma proporção da subida anterior, pelo que “as pessoas não recuperaram o poder de compra perdido”. Sérgio Aires corrobora: “Ainda que haja poupança, ela não é sentida, porque as pessoas já estão em défice há muito tempo”. O sociólogo acredita, inclusive, que seria difícil as pessoas notarem a descida dos preços, visto que “as lojas fazem, como é natural, o jogo de baixar uns produtos e subir outros, fazendo com que a diferença na conta final, se houver, seja mínima”. Por fim, e não menos importante, há características na forma como o INE (e todos as outras autoridades estatísticas) calcula a inflação que tornam difícil que o número oficial bata certo com as percepções, nomeadamente o serem levados em conta os avanços tecnológicos dos produtos e o facto de a taxa ser calculada para um consumidor médio.
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